IconeCRONICA SOBRE UM CERTO BERBIGÃO - Ângela Bastos

Transcrevemos abaixo Crônica da Jornalista Angela Bastos publicada no Diário Catarinense de 14 de fevereiro de 2009 na coluna Tamborim.

"CRÔNICA SOBRE UM CERTO BERBIGÃO" 

Lá estavam os ricos da rica ilha. La estavam os pobres dos morros empobrecidos. Foram também os brancos, bronzeados nas praias.

Foram os negros descendentes de escravos. Chegaram as crianças, as moças e as prostitutas. Chegaram os meninos, os rapazes e os gays. Avistava-se os cantores, os e até o mudo. Avistava-se os mascarados, as bailarinas e o cadeirante. Via-se o boleiro, o vendedor de bilhetes, o pipoqueiro. Escutava-se a cozinheira, a camareira, a estudante. Estava o manezinho e o turista gringo. Todos se encontraram. Onde? No Berbigão do Boca.

Nunca saberemos quantos eram, 10, 15, 20 mil? Nem os homens de farda sabem calcular. Muito menos os civis "encamisetados" de colorido. E jamais os bêbados cambaleantes. Falemos de milhares e fica tudo certo. O hino diz tudo: Dele, do Berbigão do Boca, ninguém pode fugir. É festa pra rachar. É uma coisa louca.

Mas afinal, o que é este tal Berbigão do Boca? Berbigão é uma iguaria da ilha. Não é peixe, nem camarão. Muito menos siri, ostra, marisco. É um bichinho pequeninho que dá um caldo delicioso, um pastel de dar água na boca, um ensopado de fechar o comércio. E esse tal de Boca? Boca é uma figura muito querida da ilha que adora carnaval. Certa vez, quando não se tinha o que fazer na cidade, ele pensou: Lá em Pernambuco tem o Bacalhau do Batata. Bem que aqui poderia ter o Berbigão do Boca.

E teve. Mas é bom saber: o Berbigão do Boca não é um bloco. É muito mais que isso. Mas também isso. O Berbigão do Boca, por decreto municipal, abre o carnaval em Florianópolis. Tanto que, depois do desfile, tem o Concurso da Rainha. Na mesma noite, o prefeito entrega simbolicamente as chaves da cidade para o Rei Momo.

O Berbigão do Boca é a grande festa da ilha. Junta-se tudo: as bandeiras de todas as escolas, os batuqueiros de todos os blocos, todos os famosos e aqueles que se julgam anônimos. No Berbigão é meio assim: Tem pai, mas não tem mãe. Tem avô que se perde do netinho. Tem netinho que faz xixi na rua. O Berbigão é mais que a grande festa da Ilha. O Berbigão é a grande festa da família.

Ontem, em plena sexta feira 13, o Berbigão mais uma vez fez bonito. Era meio dia e já estava concentrado. Arrumadinho  em tom maior de amarelo. Foi filmado pela TV  e tudo, Depois, apareceu em rede nacional.

No fim da tarde teve fogos. Os pombos do Largo da Alfândega levantaram em revoada. O hino ecoou pelos corredores dos prédios. Gente se esbarrava nas calçadas. Os bonecos agigantaram-se ainda mais.

O arrastão do Berbigão do Boca seguia. Mas outro Berbigão ficava. Uma multidão preferia permanecer nos bares do mercado, perto dos vendedores de cerveja, pegando a fumaça do churrasquinho de gato. É por essas e outras que se torna tão difícil calcular o número de foliões do Berbigão do Boca.

O provável é que, recém aberto, o Carnaval já deixe saudades da festa de ontem. Fica sempre a dúvida: será que vai ter evento carnavalesco tão como do Berbigão do Boca?

Na Ilha da Magia, cercada de histórias de bruxas, reza uma lenda: se o Berbigão do Boca foi bom, é sinal que toda a folia será boa também. 

Faltam 301 dias para o Berbigão do Boca 2025.